Rubens Paiva e o 8 de janeiro
- Beto Seabra
- 7 de jan.
- 4 min de leitura
Não é pouco um filme brasileiro, feito a partir do livro de um escritor nacional, fazer sucesso internacional e ajudar o País e o mundo a entenderem melhor o que foi a ditadura implantada a partir de 1964
Beto Seabra
Ouvi o nome de Rubens Paiva pela primeira vez em 1988, quando ainda fazia jornalismo na UnB, mas já trabalhava como estagiário na cobertura da Assembleia Nacional Constituinte para uma rádio do interior.
O discurso de Ulysses Guimarães no ato de promulgação da nova Constituição foi contundente e reverberaria pelas décadas seguintes: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram!”.
Eu estava ali e precisei escrever um texto sobre aquele acontecimento, que à noite foi lido e enviado juntamente com trechos da fala de Ulysses, pelo telefone, para uma rádio do interior de Santa Catarina.
Ali mesmo no Congresso Nacional, conversando com os colegas mais velhos descobri, na verdade lembrei quem era Rubens Paiva. Eu havia lido anos antes o romance Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva, de onde, parece, memorizei mais os palavrões e as cenas picantes. A desculpa é que em 1982, quando o livro foi lançado, eu era um adolescente.
Mas como eu havia esquecido o mais importante? Precisei ouvir do próprio Ulysses o nome do ex-deputado que foi levado de dentro de casa para o Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), no Rio de Janeiro, em 1971, onde foi torturado até a morte e cujo corpo nunca mais foi encontrado, para lembrar-me de toda a história.
Infelizmente não tenho aquela reportagem guardada. Seria interessante saber como me virei diante daquele acontecimento histórico gigantesco.

Anos depois, Rubens Paiva reapareceu para mim. Eu era repórter do Jornal da Câmara, veículo impresso da Câmara dos Deputados que deixou de circular, mas que durante uns quinze anos trouxe um resumo sobre os debates e decisões do parlamento. Eu precisava escrever uma resenha para o jornal sobre o livro Segredo de Estado: o desaparecimento de Rubens Paiva, de Jason Tércio. A obra dele é um primor de jornalismo investigativo, com doses de biografia, narrativa ficcional e crônica histórica.

Mais ou menos na mesma época em que o livro de Jason Tércio foi lançado a Câmara inaugurou um busto em homenagem a Rubens Paiva. No descerramento da placa da obra, um deputado cujo nome não é preciso lembrar simulou uma cusparada ao busto do ex-deputado assassinado pela ditadura. Atitude aviltante e duplamente covarde, pois ao não cuspir de verdade ele não assumiu o ônus do acinte.
Em 2016 Marcelo Rubens Paiva lançou Ainda estou aqui, onde aborda a doença da mãe, Eunice Paiva, que morreu em 2019 após sofrer anos com o Alzheimer. O livro é ao mesmo tempo romance e biografia da família. A obra me impactou bastante, em especial pela história de Eunice, que a partir da morte do marido passou a fazer uma dupla militância: a favor da verdade dos crimes ocorridos durante a ditadura e em defesa dos povos indígenas. Duas lutas (quase) inglórias, mas que agora começam a mostrar seus resultados.

Nesta segunda-feira (06/01), quando soube logo cedo que Fernanda Torres havia ganhado o Globo de Ouro pela atuação impecável no papel de Eunice Paiva no filme Ainda estou aqui, de Walter Sales, baixaram várias histórias na minha memória. Eu havia visto o filme antes do Natal e, como todos que estavam presentes no Cine Brasília, chorei e aplaudi de pé a atuação de Fernanda, do Selton e demais atores (em especial as crianças!) que fizeram um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos.
Voltei a 1988 e ao discurso histórico de Ulysses. E lembrei-me de outra data histórica, esta trágica e mais recente: 17 de abril de 2016, o dia em que a Câmara aprovou o impeachment de Dilma Rousseff.
Fatos históricos que na verdade estão ligados, quando lembramos que Dilma caiu por duas razões: por ter instalado a Comissão da Verdade e ter iniciado uma política junto aos bancos oficiais para baixar a taxa de juros. Ou seja, mexeu com os militares e com os grandes empresários do setor financeiro.

Não é pouco um filme brasileiro, feito a partir de um livro de um escritor nacional, fazer sucesso internacional e ajudar o País e o mundo a entenderem melhor o que foi a ditadura implantada a partir de 1964, com todos os seus crimes impunes e seus criminosos que ainda circulam por aqui.
Nesta quarta-feira, 8 de janeiro, completam-se dois anos da tentativa fracassada de golpe que pretendeu colocar os três poderes contra a parede para permitir que os militares aliados de Jair Bolsonaro assumissem o comando do país.
Ver o filme de Walter Sales, ler os livros de Marcelo Rubens Paiva e de Jason Tércio, e acompanhar a cobertura jornalística (sugiro ver o Caminhos da Reportagem, da TV Brasil) sobre os atos antidemocráticos são formas de se vacinar contra novas tentativas de golpes. Os de agora e os que certamemte ocorrerão no futuro.
Seu texto me leva a fatos passados e a direcionamento para o leitor aprimorar seus conhecimentos. Primoroso! ! Em um período que temos que debater com pessoas vestidas de emoções sem conhecimento . Como seria bom se todos tivessem a oportunidade de ler .
Valeu!!!
Excelente texto! Bem justa a citação do livro precursor do autor Jason Tércio!
Emocionante ver as Fernandas vibrando,mostrando ao mundo o horror que foi a ditadura, parabéns a todos os envolvidos nessa produção magnífica,e que honra para nós brasileiros,a Fernanda Torres superando monstros sagrados do cinema internacional. Parabéns Beto Seabra por sua matéria.
Belíssima e necessária reflexão.