Anúncios de verdade
- Beto Seabra
- 16 de jul.
- 3 min de leitura
Beto Seabra
Propaganda do governo Lula que mostra o Brasil real seria uma mudança na comunicação pública?
A frase "a propaganda é a alma do negócio" tem pelo menos duas leituras. A primeira: que a divulgação da marca é tão ou mais importante que o próprio produto, afinal, o anúncio é a alma, ou seja, a própria essência da empresa. A segunda: quem compra aquele produto está comprando a essência daquela empresa e, ao mesmo tempo, se vendendo ao encanto daquela propaganda e daquele produto, pois quem compra também está realizando
uma troca. Meu dinheiro pela sua alma, ou seria o contrário?
Uma propaganda do governo federal sobre justiça tributária aponta, a meu ver, para uma
mudança na publicidade feita por entes políticos. O anúncio, que circula nas redes sociais,
mostra o que todo mundo já sabe: o Brasil é um país muito desigual, onde a classe média e os pobres pagam muitos impostos, enquanto os ricos pagam muito pouco, pelo tanto que
ganham.
A surpresa está no anúncio ser assinado pelo governo e não por um partido político ou
uma ONG especializada em estatísticas sobre renda e pobreza. É o Estado brasileiro admitindo, por sua publicidade oficial, que somos ricos, mas desiguais. Afinal, o Brasil é um dos maiores PIBs do mundo, mas também está entre as nações mais desiguais no quesito distribuição de renda.
Outro anúncio mostra um aspecto pouco lembrado. O Brasil é o único país, sim, o único, que
aparece nos dois clubes: está na lista dos dez mais ricos, ao lado dos Estados Unidos, China e Alemanha, mas também entra na lista dos mais desiguais, ao lado da África do Sul e da Namíbia. É uma vergonha!, como diria aquele âncora da TV.

Bem que outros governos e empresas poderiam adotar também esse novo tipo de
propaganda, compromissada com a verdade dos fatos. Já pensaram? Seria uma revolução nos costumes.
Nessa nova lógica, os fabricantes de cigarros, em vez de mostrarem jovens sarados e com
dentes brancos fumando seus produtos, colocariam fumantes normais, pessoas que já
sentiram a carga da nicotina após décadas de consumo da droga.
As empresas de cerveja também precisariam mudar sua propaganda. A juventude dourada que bebe sem limites, teria que abrir espaço para outros personagens, como o rapaz que ficou em uma cadeira de rodas após dirigir embriagado.
E os bancos? Ah, como eu gostaria de ver uma propaganda que mostrasse não apenas os
clientes de luxo, mas também o seu zé da esquina, que pegou um empréstimo para quitar a
cirurgia da esposa e hoje tá super endividado em razão das taxas de juros mais altas do
mundo.
As casas de apostas também deveriam mudar seus comerciais. Ao lado das belas modelos e
dos esportistas bem sucedidos, deveriam mostrar também os adolescentes encrencados com
dívidas em razão do jogo e os idosos viciados em jogatina.
Mas, pensando bem, isso não daria certo. Nossa realidade já é bastante dura e a publicidade,
por mais críticos que sejamos, devemos reconhecer que é uma janela para a ilusão, um espaço lúdico onde podemos sonhar com o impossível.
Afinal, a vida real é muito chata. Melhor continuar com os anúncios belos, ainda que
mentirosos. Mesmo porque, a fronteira entre realidade e ficção está cada dia mais estreita e
ninguém sabe o que será do mundo em um breve futuro dominado por inteligências artificiais
e algoritmos que definem nossos gostos e amizades.




Belíssima e necessária análise. Parabéns!