O grande quase sempre vence, mas o pequeno pode reagir
- Ana Lúcia Medeiros
- 14 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
É árdua a luta de pequenas produtoras de audiovisual contra as chamadas big techs, mas algumas inciativas de parlamentares, produtores independentes e associações provocam mudanças no cenário
Por Ana Lúcia Medeiros

Concorrer com as big techs é luta inglória para a produção audiovisual independente brasileira que, embora seja muito qualificada, ainda não alcançou o devido reconhecimento. Trata-se de uma batalha que não se limita à valorização dos produtores, mas da cultura brasileira. São muitos lapsos, entre os quais se destacam a dificuldade com a distribuição e a divulgação dos filmes nacionais; o espaço restrito do cinema brasileiro nas salas de cinema, dificultando o acesso dos espectadores aos filmes brasileiros, gerando o hábito de ver filmes nos streamings, ainda não regulamentados.
A cineasta Dácia Ibiapina analisa que se faz necessária a atualização do pensamento da Ancine, ainda concentrado nas grandes produtoras que, por sua vez, entraram no Brasil sem pagar direitos autorais ou impostos. Na condição de produtora audiovisual independente, Dácia Ibiapina relata que as dificuldades enfrentadas por produtoras menores começam com a atribuição da nota da Ancine para liberação do Fundo Setorial do Audiovisual, que leva em conta a exibição em salas comerciais de cinema. “Como concorrer se, na cota de telas, a Ancine desconsidera a exibição em streaming, espaço onde normalmente circula a produção independente?”, questiona a diretora, roteirista e produtora de cinema, com filmografia que inclui obras como Cadê Edson? (2019), Carneiro de ouro (2017), Ressurgentes: um filme de ação direta (2014), O pagode de Amarante (1984) e Entorno da Beleza (2012).

Embora ainda haja pouca discussão em relação à regulamentação dos streamings no país e à conquista de espaço das pequenas produtoras no universo do audiovisual, algumas iniciativas de parlamentares e associações de produtores independentes vêm ganhando corpo nos últimos tempos, a exemplo da criação de salas populares em São Paulo, em regiões periféricas e no interior do país para promover reunião de pessoas, uma forma de proporcionar o acesso à produção audiovisual independente de qualidade.
Uma carta com propósito
Divulgada no último dia 10 de dezembro, a Carta de Brasília reúne reivindicações aprovadas na 4ª Conferência Audiovisual, realizada durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, entre os dias 5 e 7 de dezembro. O evento reuniu cerca de cem profissionais, parlamentares, gestores e pesquisadores e teve como tema central a "Indústria cinematográfica e audiovisual brasileira: desenvolvimento e soberania".

Entre as reivindicações da Carta destaca-se a regulação do streaming como prioridade nacional. O documento pede que a regulamentação seja aprovada já no primeiro trimestre de 2025 e que o Governo Federal "exerça uma liderança decisiva e faça gestos inequívocos que reconheçam e valorizem a dimensão econômica, industrial e simbólica do cinema e do audiovisual".
O setor reivindica ainda a criação de uma política de desenvolvimento industrial para o audiovisual: "Enquanto os esforços de fomento aumentam o número de produções, a falta de uma estratégia industrial sólida e orientada para resultados compromete o impacto econômico e social dessas obras", diz o documento.
Um projeto pela regulamentação dos serviços de vídeo sob demanda
Em sintonia com as reivindicações apresentadas na Carta de Brasília, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados analisa um projeto que regulamenta os serviços de vídeo sob demanda (VoD), termo adotado para várias modalidades de serviços, como o streaming (Netflix, por exemplo) e o aluguel ou venda de conteúdos específicos (como a loja de filmes do YouTube).

Já aprovado pelo Senado, o Projeto de Lei 2331/22 obriga as empresas que ofertam os serviços de VoD a recolher a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) – tributo destinado ao fomento do cinema e do audiovisual nacionais.
Pelo texto, a Condecine será anual com alíquota progressiva, e as empresas com faturamento acima de R$ 96 milhões pagarão alíquota de 3%. Relatora do projeto, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) defende um percentual maior para a alíquota, que considera baixa e insuficiente para valorizar o potencial criativo da produção audiovisual brasileira.
Posição do governo, dos sindicatos e de especialistas
Na mesma perspectiva da deputada Jandira Feghali, a secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura, Joelma Gonzaga, considera que a contribuição à Condecine pelas plataformas de VoD deve ter alíquota mínima de 6% sobre o faturamento bruto. A secretária lembra que salas de cinema, operadoras de TV paga e telecomunicações já contribuem para a Condecine. Só o segmento do Vod não paga. E defende a regulamentação urgente do setor, com mais estímulo para a produção audiovisual independente, que diz ser uma das prioridades do Ministério da Cultura.
Já o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual, Leonardo Edde, lembra que o Brasil é um dos maiores consumidores de conteúdo audiovisual do mundo, dado suficiente para garantir estímulos para a produção audiovisual brasileira. Edde defende que a lei de regulamentação do VoD siga o mesmo caminho da Lei do Serviço de Acesso Condicionado, que exigiu cotas de conteúdo audiovisual nacional na TV paga e garanta a presença de conteúdo brasileiro independente nos serviços.

A ex-diretora da Ancine e especialista em regulação audiovisual, Vera Zaverucha, defende o aumento da taxação das plataformas e o direcionamento de 50% dessa taxação para o Fundo Setorial do Audiovisual financiar produções independentes. O restante, na opinião da especialista, seria usado pelas próprias plataformas para licenciamento dos conteúdos brasileiros. Já os direitos autorais devem permanecer nas mãos das produtoras brasileiras independentes.
* Com informações de Tela Viva; Agência Câmara de Notícias
É essencial valorizar as produções independentes.