Quarenta anos que voaram e deixaram marcas
- Beto Seabra
- 15 de mar.
- 4 min de leitura
Quando a redemocratização completa quatro décadas, é preciso olhar para os avanços, sob pena de retrocedermos e permitirmos a volta da extrema direita
Beto Seabra
Os aniversários e efemérides nos ajudam a avaliar o que passou e o que pretendemos fazer pelos próximos anos. Neste mês completam-se quarenta anos da redemocratização, quando o último representante da ditadura deu lugar a um presidente civil. É hora de avaliar o que aconteceu nessas quatro décadas e tentar encontrar saídas para um futuro político que às vezes se apresenta sombrio, em especial após os eventos de 8 de janeiro de 2023. Faço aqui um exercício de memória bastante pessoal para tentar dar conta do peso histórico dos fatos que me acompanharam nesse período na minha vida profissional e, antes, de estudante da Universidade de Brasília.
Aquela noite de 14 de março de 1985 está grudada na memória. Nos meus vinte e verdes anos já havia visto alguma coisa, mas um presidente civil seria algo completamente novo. Nasci em 1964 e cresci ouvindo nomes de generais-presidentes que se sucediam no Palácio do Planalto como se sucedem os reis e as rainhas da Inglaterra, com a diferença de que, aqui, eles tinham muito poder e não toleravam que se discordasse do governo deles. Governo militar era o máximo que se permitia pronunciar. Eles gostavam que chamássemos o golpe deles de revolução. Chamar de ditadura, nem pensar. Ou só pensar.
Um ano antes havíamos ido para as ruas pedir diretas já. A proposta foi derrotada na Câmara dos Deputados e o plano B passou a ser eleger um nome da oposição ao regime militar no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves foi o nome ungido – com o apoio de uma dissidência governista – para derrotar Paulo Maluf.

Eleito em 15 janeiro de 1985, pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves tomaria posse em 15 de março, seguindo o antigo calendário das posses presidenciais. No dia anterior fui com um grupo de amigos da UnB beber cerveja para comemorar o que chamavam de Nova República. Lembro-me do local: o Nosso Mar, na Asa Norte. O bar fechou faz pouco tempo, mas as histórias continuam vivas. No terceiro ou quarto copo veio o alerta do garçom, informando que as rádios noticiavam que Tancredo teria sido internado às pressas no Hospital de Base de Brasília.
O primeiro pensamento que surgiu na mesa: aquilo era um boato ou um novo golpe? Pagamos a conta e corremos para a casa de um dos nossos. Não era boato. O plantão do telejornal informava que o presidente eleito havia passado mal e tinha sido internado para uma cirurgia de emergência. À boca miúda falava-se em envenenamento e até hoje tem quem não acredite que Tancredo estivesse, de fato, doente. Mas estava.
Quem tomaria posse enquanto Tancredo estivesse impedido? Seu vice Sarney ou Ulysses, presidente da Câmara? Foi uma noite longa, com reuniões envolvendo lideranças civis e militares para discutir a saída. A decisão, como se sabe, foi dar posse ao vice. Sarney assumiu e governou por cinco anos, período no qual o Brasil teve três planos econômicos (Cruzado I, Cruzado II e Verão), passou a ter uma Constituição democrática e cidadã e elegeu, finalmente, um presidente da República pelo voto direto em 1989, após quase trinta anos da última eleição que escolhera Jânio Quadros, em 1960.
Empossado, Fernando Collor frustrou seu eleitorado, mas não quem conhecia a biografia do rapaz. Seu vice, apesar de meio topetudo, era um democrata com visão social. Itamar Franco fez a transição e implantou o Plano Real, que estabilizou a economia, ajudou a eleger seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e garantiu a reeleição do mesmo.
Sarney e Ulysses lideraram, cada um a seu modo, a estabilidade política, enquanto Itamar e FHC trouxeram ao País a estabilidade econômica com o fim da hiperinflação. Não sem custos.
Apesar das privatizações, FHC deixou uma dívida pública gigantesca ao final do seu segundo governo, o que levou a mais desemprego e mais arrocho, fiscal e salarial.
Faltava então cuidar do social e retomar o crescimento econômico.
Em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência, quase um terço da população brasileira vivia abaixo da linha da pobreza. Éramos um País rico, mas muito desigual. Os governos Lula I e II e Dilma I (2003 a 2014) representaram doze anos de redução ininterrupta da pobreza. E de crescimento econômico. O Brasil chegou a ocupar a sexta posição entre os Países mais ricos do mundo, em 2012, depois caímos para o 12º lugar e hoje somos a 9º economia do mundo.
A partir de 2015, Dilma governou apenas para apagar incêndios provocados por seus próprios erros políticos, mas, principalmente, pelas pautas-bomba de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara. No ano seguinte Michel Temer, o vice, assumiria a Presidência após um impeachment com jeito e cara de golpe.
Depois vieram os quatro anos de Bolsonaro que, somados aos quase três anos de Temer, resultaram em um período onde apenas a estabilidade econômica foi mantida. O ganho social dos anos anteriores escorreu pelo ralo e a democracia correu sério risco nas mãos de um grupo de militares ressentidos e corruptos. Sem contar as mais de 700 mil mortes durante a pandemia de Covid-19, que o capitão Bolsonaro chegou a apelidar de gripezinha.
O Brasil andava para trás após mais de três décadas de pequenos avanços.
Falar desse período de redemocratização (1985-2025), portanto, é falar de um Brasil que
avançou aos tropeções, com direito a algumas quedas e recuos, mas que, de forma surpreendente, sobreviveu. Fizemos a transição política, domamos a inflação e chegamos a erradicar a fome no Brasil, ao final do governo Dilma. Não é pouco para um país que ficou quase quatrocentos anos submetido a um modelo social e econômico baseado na escravização de pessoas negras e que tem ainda hoje uma das piores concentrações de renda do mundo.
Esses quarenta anos representam o período democrático mais longo da História do Brasil. Por isso é preciso lembrar.
Neste sábado, dia 15 de março, quando a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar completar quatro décadas, talvez seja o momento para desfiarmos um duplo olhar: um para trás e outro para frente. Pelo retrovisor, para ver onde erramos e em que acertamos. E ao olhar para frente poderemos, quem sabe, aprender com a história para não repetirmos os mesmos erros.
Sim, é mesmo preciso estarmos atentos.
Nossa, vamos clipes na memória! Uma coisa é certa, a democracia é fundamental para a classe trabalhadora. Com sonho socialista!