Ela voltou. Mas não é bem-vinda
- Ana Lúcia Medeiros
- 5 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de dez. de 2024
O Senado adiou a votação da PEC 3/2022, que possibilita que áreas públicas na costa e no litoral sejam destinadas para uso privado. Alvo de críticas da sociedade civil organizada, a proposta de emenda à Constituição volta à cena após ser apresentada e aprovada pela Câmara, em 2022. Segundo ambientalistas, além de limitar o acesso da população às praias, a PEC coloca em risco áreas estratégicas de preservação ambiental
Por Ana Lúcia Medeiros

É contagiante a alegria de crianças que correm de um lado a outro nas extensas faixas litorâneas do país e alimentam sonhos ao construir castelos de areia na praia. É muito saudável a brincadeira dos adolescentes que se divertem na tarde de domingo ao serem derrubados pelas ondas do mar. Que maravilha ver o grupo de idosos do sertão chegando ao litoral para realizar o maior sonho de suas vidas: conhecer o mar.
Essas cenas que podem ser facilmente vistas nas praias brasileiras podem estar perto de não mais existirem. Pelo menos não do modo como vemos hoje. Isso porque a matéria volta a ser discutida no Congresso Nacional. Dessa vez, no Senado. O último dia 4 foi momento de muitos protestos nas redes sociais, quando a matéria foi posta em pauta no Senado. Já aprovada pela Câmara dos Deputados, a PEC 3/2022 precisa apenas da aprovação no Senado para entrar em vigor. Mas houve pedido de vista. Com isso, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) adiou a votação da proposta sem definir nova data. Felizmente, comemoram os defensores da liberdade de ir e vir nas praias brasileiras.
Que PEC é essa?
Também conhecida como “PEC das Praias”, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 possibilita que áreas públicas na costa e no litoral sejam destinadas para uso privado. Essas áreas incluem praias, ilhas, mangues, assim como margens de rios e lagoas que sofrem influência da maré.
Pela proposta, que transfere a propriedade de terrenos de marinha, particulares poderão adquirir essas áreas mediante pagamento, enquanto estados e municípios serão contemplados de forma gratuita. Apesar do nome, terrenos de marinha nada têm relação com a força armada Marinha. São determinados por estudos técnicos, com base em plantas, mapas e documentos históricos.

Inicialmente identificada como PEC 39/2011, a proposta havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados EM 2022, com o propósito de resolver antigos conflitos envolvendo a União e os ocupantes dos terrenos de marinha, assim chamados porque, desde o período colonial, reservam faixas próximas ao litoral e às margens de rios para a proteção territorial. Normalmente, eles ficam perto das praias e podem ser ocupados por prédios, hotéis, bares, vilas de pescadores.
A PEC 3/2022 propõe que a União transfira todas as terras de marinha a ocupantes particulares, exceto aquelas usadas para serviço público federal, como as que contêm instalação portuárias, as abrangidas por unidades ambientais federais e as que não estiverem ocupadas.
O que diz a sociedade civil organizada?
As redes sociais ocupam lugar importante de manifestação da sociedade civil organizada contra a aprovação da PEC das praias. Um dos principais movimentos contra a proposta nos ambientes virtuais é coordenado pelo Greenpeace Brasil, que convoca a sociedade com o seguinte apelo: “Olha só quem voltou! E mais uma vez eu falo NÃO!”.
Circulação de mensagem por Whatsapp chega a usuários de perfis distintos. Um vídeo de apenas 2 minutos reúne ambientalistas e artistas que argumentam com linguagem simples por quais razões se posicionam contra a proposta. Estas são algumas frases e hashtags adotadas no vídeo: “Barrados na praia”; “Essa é uma das emendas à constituição mais nocivas ao meio ambiente”; “As pessoas não se sentiriam à vontade naquele pedaço de praia privatizado”; “O acesso à praia é um direito inviolável seu de se divertir, de fiscalizar, de cuidar”; “# Diga não à PEC das praias” e “# A praia é nossa”.
O alerta do Greenpeace nas redes sociais traz os seguintes argumentos contra a "PEC das Praias" e seus impactos diretos sobre o ecossistema e sobre a população brasileira:
A proposta pode levar à expulsão de comunidades tradicionais que dependem dos recursos marinhos para sua subsistência.
A gestão dos terrenos de marinha é estratégica para o país em tempos de crise climática.
A PEC 3/2022 levanta preocupações sobre a segurança nacional e a soberania.
A falta de consulta popular evidencia a necessidade de um diálogo aberto e inclusivo no processo decisório.
Desequilíbrio ambiental – Com os empreendimentos reinando, as alterações na paisagem serão o novo retrato das praias, com desmatamento, alargamento da faixa de areia e concretagem.
A privatização das praias irá restringir a população ao acesso a estes ambientes, tendo em vista que grandes empreendimentos poderão ser donos de faixas de praias.
Expulsão de povos tradicionais como indígenas, comunidades de marisqueiras e pescadores.
Na surdina, ela voltou.

Se esses movimentos surtem efeitos, não se pode afirmar. Mas o que se pode dizer é que a sociedade tem argumentos suficientes para compreender que o pedido de vista é, no mínimo, uma iniciativa que privilegia quem mais precisa de proteção: as pessoas e o meio ambiente.
* Com informações da Agência Senado; Greenpeace Brasil
Ótimo texto! Essa PEC é difícil derrubar, não impossível, só favorece o maior…
O pedido de vistas é um paliativo. Não se enganem. O perigo de aprovação é muito alto.
PEC completamente alheia às necessidades da população e à preservação ambiental. Felizmente a votação foi adiada e a sociedade civil se organiza. Propostas reacionárias precisam ser questionadas e nada pode ser feito sem que as pessoas tenham informações claras sobre o que é apresentado no Congresso Nacional.