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Verissimos

  • Beto Seabra
  • 17 de ago.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 17 de ago.


Tenho sempre um livro de crônicas na cabeceira da cama. E pela manhã leio uma, ou duas, naquele período em que espero que os intestinos trabalhem e se conclua o ciclo natural do dia.


Meses atrás o livro de cabeceira era o “A versão dos afogados: novas comédias da vida pública – 347 crônicas escolhidas”, de Luis Fernando Verissimo, editado pela L&PM, em 1997. Comprei-o em um sebo já faz um tempo. Um outro subtítulo do livro, que aparece apenas na capa é: “347 crônicas datadas”. Uma brincadeira do autor com a palavras, pois o livro não tem nada de datado. As crônicas continuam atualíssimas.



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São na maioria de conteúdo político, onde Verissimo não pega leve com o Éfe Agá, como ele chamava o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Os textos foram publicados no Jornal do Brasil entre 1994 (quando FHC foi eleito) e 1997, seu terceiro ano de mandato.


Lembrei das crônicas após ler reportagem sobre os Verissimos na Folha de S. Paulo. É que neste ano completam-se 120 anos de nascimento e 50 da morte de Erico Verissimo, grande romancista e pai do famoso cronista. E Luis Fernando, para tristeza de seus fãs, aos 89 anos está bastante doente e há anos já não escreve.



Não preciso falar aqui sobre as obras monumentais de pai e filho. Mas olho para a minha modesta biblioteca e lá vejo todos os romances de Érico naquela bela coleção de capa vermelha lançada pela Editora Globo de Porto Alegre, em 1979. Também comprei essa coleção em um sebo, já nos anos 1990.


Do filho tenho poucos livros, dois de crônicas e dois romances, mas o que li e vi (adorava as tirinhas “As cobras”) de Verissimo em jornais e revistas ao longo de quase quarenta anos dariam uma enciclopédia ilustrada.


E ao ler sobre a saúde debilitada do filho e as efemérides em homenagem ao pai me vêm muitas histórias. Lembro quando li o primeiro livro de Erico Verissimo: “Olhai os lírios do campo”, que me arrebatou. Tinha eu 14 anos de idade, para citar Paulinho da Viola, e chorei com a triste história de Olívia. Dizem que certa vez Erico afirmou em entrevista que não gostava daquele livro, que seria um romance menor diante de sua grande obra, apesar de ter sido um best-seller.


Se ele disse isso eu não sei, mas eu leitor adorei ler aquele livro, que considero um melodrama humanista que me influenciou bastante na minha formação.


E lembro de algo mais recente, trinta anos atrás!, quando ao ler uma das crônicas de Verissimo no saudoso JB vi que estava do lado certo, ainda que a grande maioria de meus colegas da grande imprensa estivessem encantados com o presidente intelectual que havia domado a inflação e prometia modernizar o Brasil.


Releio a tal crônica na coletânea citada no segundo parágrafo destas linhas.  Foi publicada no dia 1º de agosto de 1995, mais ou menos um ano após a implantação da nova moeda, o Real. Com extrema ironia, Verissimo escreve na crônica “Queremos revanche”, que o Brasil deveria aprender com Botsuana, o país africano que naquele ano havia “passado” o Brasil no critério distribuição de renda. E escreveu: “Nós estávamos em penúltimo e passamos para último. Botsuana agora é penúltimo e ameaça o antepenúltimo (...) Eles obviamente descobriram a fórmula que perseguimos há tanto tempo para diminuir um pouquinho a desigualdade social”.


Era uma crítica clara à forma como a mídia brasileira festejava o governo de FHC, que domara a inflação às custas de um maior empobrecimento da população. No dia seguinte (2 de agosto), Verissimo voltaria à carga com a crônica Botsuana (II). Os dois parágrafos iniciais são um petardo contra o establishment econômico:


“Não se chega ao primeiro lugar entre as sociedades mais desiguais do mundo de um dia para o outro. Se você escolher uma data ao acaso para o começo do processo – digamos 1º de abril de 1964 – levamos 31 anos para chegar abaixo do fiofó de Botsuana.


Durante quase 20 desses anos, a oligarquia brasileira teve, literalmente, a faca e o queijo na mão para deter o processo, se quisesse. A faca era a repressão militar, que controlou a oposição, os sindicatos, a imprensa – enfim, todas essas coisas que atrapalham os grandes projetos de engenharia social. O queijo eram os teóricos da época, os mesmos que hoje nos dizem o que deve ser feito e quando puderam fazer – sem críticas e sem contra-indicações – não fizeram (...)”. (in A versão do afogados, páginas 88 e 89).


Em tempos em que a grande imprensa brasileira abre espaço diariamente para manchetes e articulistas que criticam a “sanha arrecadatória do governo Lula” contra o 1% mais rico do País, e remetem para um espaço secundário notícias como a saída do Brasil do Mapa da Fome e o fato do desemprego ter caído ao menor nível da série histórica, talvez reler as crônicas de Luis Fernando seja uma forma de celebrar um Brasil que resiste em aceitar que continuemos a ser um país rico para poucos e desigual para a maioria. Hora de lermos, ou relermos, sem parar os Verissimos.

 

3 comentários

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18 de ago.

Nossa imprensa continua a mesma de trinta anos atrás. Ainda bem que existem os Verissimos!

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Convidado:
17 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Vedafe! É o momento de lermos mais e mais os Veríssimos.

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Convidado:
18 de ago.
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Amigo Beto um eterno apaixonado pela boa literatura.

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