Enquanto bombas em Teerã, uma multidão se abraça aos livros no Rio
- Beto Seabra
- 18 de jun.
- 3 min de leitura

Horda, multidão, galera, magote, massa. São substantivos para designar uma quantidade grande de pessoas, vistas em estádios de futebol, gigantescos acampamentos humanos ou mesmo em avenidas das grandes cidades e megaeventos musicais. Mas eu nunca usaria alguma dessas palavras para abrir uma crônica sobre uma feira de livros. Pois foi isso o que vi nos dias em que estive na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.
Não vou procurar aqui números oficiais, pois o que interessa é a sensação que vivi. E esses números são fáceis de se achar em qualquer site de busca na internet. Importa dizer que eu nunca havia visto tanta gente - adultos de todas as idades, adolescentes, crianças e até bebês de colo - reunida em torno desse objeto chamado livro. E olha que desde os anos 1990 frequento feiras e bienais de livros, em Brasília, Rio, São Paulo e outras capitais.
Basta dizer que em algum momento durante a Bienal do Livro, num sábado à tarde, cheguei a pensar que aquilo era uma alucinação. Não seria possível que dezenas - ou pelo menos mais de uma centena - de milhares de pessoas estivessem trocando as praias e os shoppings por uma feira onde se vendia, se comprava e se conversava sobre livros. Mas foi real, minha gente.
No mesmo dia em que a Bienal começava, caíam as primeiras bombas sobre Teerã. E ainda que o Rio de Janeiro não viva uma guerra declarada, sabemos que nas favelas e bairros mais pobres da cidade polícia e bandidos se enfrentam quase que diariamente com armas pesadas, onde, em geral, as vítimas são pessoas inocentes e parecidas com as que vi na Bienal: adultos, adolescentes, crianças e até bebês de colo.
Mas lá dentro do Riocentro, onde ainda acontece a Bienal até este domingo, dia 22, havia não apenas paz. A gentileza e a beleza eram a norma. Mesmo quem não se conhecia trocava olhares e sorrisos como se dissessem: viu? O mundo lá fora pode estar acabando, mas aqui habitamos um lugar novo, um planeta chamado leitura, onde tudo é possível, até a paz mundial, o fim da fome e de todas as formas de violência.
Pois leitores são assim. Ainda que leiam de tudo e que lá dentro das páginas de um livro, onde habitam, possam acontecer todas as tragédias do mundo e eles sofram com isso, cá fora existe o mundo da leitura, onde a placidez das relações humanas se assemelha sempre a um jardim de delícias. Creiam, amigas e amigos, o mundo da leitura e dos leitores é o lugar mais lindo que existe na face da nossa maltratada Terra.
Mesmo com todos os perrengues na hora de comer (leitores também sentem fome) e de ir ao banheiro (as leitoras, em especial, sofreram com a baixa quantidade de toaletes), não vi ninguém se rebelar ou ameaçar com xingamentos e quebradeiras. Havia sempre um estado de tolerância latente, um sorriso de quem sabe que aquele pequeno sofrimento ali seria compensado pelas leituras futuras, ou mesmo ao vivo, quando deixávamos os corredores da Bienal do Livro para entrar nas salas onde se discutia literatura e futebol, adolescência e mundo digital ou o poder dos clubes do livro, ou ainda nas grandes plateias para ouvir nomes importantes da literatura brasileira e mundial, como a nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche ou o carioca Raphael Montes.
Não sabemos o que será do mundo nas próximas décadas, com o rápido aquecimento global e o avanço avassalador da inteligência artificial, sem contar as guerras atuais que já nos assombram. Mas é possível acreditar que o mundo da leitura, e do livro em papel, continuará existindo ainda por um bom tempo, enchendo de afetos e surpresas as vidas das pessoas que queiram se aventurar por ele.
Beto Seabra é escritor e jornalista e participou da Bienal do Livro 2025 ao lado de outros escritores do Instituto Casa de Autores (ICA), de Brasília.
Que feliz oportunidade eu tive de estar na Bienal do Rio de Janeiro e na companhia de amigos escritores, dentre eles Beto Seabra.
Parabéns pela crônica! Reviivi tudo o que você descreveu!
Avaliar o texto do Beto é muito agradável. Ele sempre fala de livros de forma tão prazerosa que vejo uma combinaçao de letras que exalam o perfume de gente feliz.
Coisa boa é o cheiro do livro. Seu texto fez exalar o perfume que traz esperança e paz.